O tempo que temos em nossas mãos
Para onde foram aqueles dias despreocupados da infância? Como nossos filhos conseguem crescer tão depressa? Para onde foram todos esses anos? Há um ditado que diz “o tempo voa quando você está se divertindo”, mas à medida que envelhecemos, o tempo voa se a gente está se divertindo ou não.
Então, o que acontece com a nossa noção de tempo ao longo da vida?
Fui criada em uma fazenda no interior de Minas Gerais. Brinquei muito, subia em árvores, andava a cavalo, qualquer coisa virava um brinquedo. Hoje, quando retorno, vejo a mesma coisa acontecendo com os meus sobrinhos. Cauã, a criança que ilustra esse artigo, anda sujo, brinca na terra, tem os joelhos ralados, cai de bicicleta, corre atrás dos bois e das galinhas e ainda sobra tempo para ser o melhor aluno de sua turma na escola. Quando minha mãe vem me visitar, sempre fala que “aqui o relógio anda mais rápido” e que tem medo de ficar mais velha quando está na cidade grande.
Recentemente, tenho tentado entender o fenômeno, porque nos últimos anos muitos dos meus dias têm sido extremamente longos e os anos parecem acelerar. Para resolver o problema, fiz uma pesquisa para observar o que os outros estavam dizendo sobre o assunto. Quase todos os retornos tinham relação com a criação dos filhos. “Oh, eles crescem tão rápido. Os dias são longos, mas os anos são curtos.” Esta é talvez uma explicação parcial; no entanto, como o fenômeno ocorre também para as pessoas que não têm filhos, essa não pode ser a resposta completa.
Muitos comentários foram filosóficos. Dizem simplesmente para “aceitar o fenômeno e viver cada dia ao máximo”. Bom conselho, mas, novamente, nenhum avanço na compreensão.
Então me voltei para a ciência. Digitei as palavras de busca “psicologia do tempo”. Encontrei centenas de artigos, a maioria dos quais eram muito técnicos, lidando com estrutura e funções cerebrais, neurotransmissores e similares, mas isso não é papo para eu, uma neurocientista, falar agora. Para restringir a pesquisa, digitei “psicologia do tempo” e “dias são longos”. E não tem nada!
Esta história parece se encaixar com a experiência da maioria das pessoas. A maioria de nós acha que o tempo passou muito devagar quando éramos crianças e está gradualmente se acelerando à medida que envelhecemos. Todos nós já comentamos como o Natal parece chegar mais rápido a cada ano, como você está se acostumando a escrever a data do ano novo na sua agenda e percebe que está quase no fim, como seus filhos estão prestes a terminar a escola e parece que ontem você estava trocando suas fraldas…
Geralmente nos tornamos conscientes dessa aceleração em torno dos nossos vinte e tantos anos, quando a maioria de nós “se acalmou”. Temos empregos fixos, casamentos e lares e nossas vidas são ordenadas em rotinas – a rotina diária de trabalho, voltando para casa, jantando e assistindo TV; a rotina semanal de, por exemplo, ir à academia na noite de segunda-feira, ao cinema na noite de quarta-feira, tomar um drinque com os amigos na noite de sexta-feira etc.; e a rotina anual de aniversários, feriados e férias de duas semanas no verão. Depois de alguns anos, começamos a perceber que o tempo que levamos para percorrer essas rotinas parece estar diminuindo, como se estivéssemos em uma plataforma giratória que está ganhando velocidade a cada rotação.
No entanto, na minha opinião, a melhor maneira de explicar essa aceleração do tempo é através da percepção. A aceleração do tempo está relacionada principalmente à nossa percepção do mundo ao redor e de nossas experiências, e como essa percepção muda na medida em que envelhecemos.
A velocidade do tempo parece ser largamente determinada pela quantidade de informação que nossas mentes absorvem e processam – quanto mais informação tentamos absorver, mais lentamente o tempo passa.
As crianças pequenas parecem viver em um mundo completamente diferente dos adultos – um mundo muito mais intenso, mais real, mais fascinante e bonito. Esta é uma das razões pelas quais frequentemente nos lembramos da infância como um momento de felicidade – porque o mundo era um lugar muito mais excitante e cheio de novidades para nós e todas as nossas experiências eram muito intensas.
A percepção elevada das crianças significa que elas estão constantemente absorvendo todos os tipos de detalhes que passam batidos pelos adultos – pequenas rachaduras nas janelas, minúsculos insetos rastejando pelo chão, padrões de luz solar no carpete etc. E até as coisas maiores que podemos ver também parecem mais reais para eles, mais brilhantes, com mais presença e cor. Todas essas informações estendem o tempo para as crianças.
No entanto, com o passar dos anos, perdemos essa intensidade de percepção, e o mundo se torna um lugar triste e familiar – tão triste e familiar que paramos de prestar atenção aos pequenos detalhes. Afinal, por que você deveria prestar atenção nos prédios ou ruas que você passa a caminho do trabalho? Você já viu essas coisas milhares de vezes antes, e elas não são bonitas ou fascinantes, elas são apenas… comuns.
A visão infantil que possibilitou ver todas as coisas “aparadas na luz celestial” começa a “desaparecer na luz do dia comum”. Esta é a razão pela qual o tempo acelera para nós. Começamos a nos “desligar” da maravilha e da serenidade do mundo, gradualmente paramos de prestar atenção consciente ao nosso ambiente e experiências.
O tempo não precisa necessariamente acelerar quando envelhecemos. Até certo ponto, depende de como vivemos nossas vidas e como nos relacionamos com nossas experiências.
Talvez seja uma espécie de máquina do tempo, podemos manter nossas experiências, nossa história, nossos filhos, pais, sobrinhos, vivos e pequenos em nossos corações e em nossas memórias. Desfrutando da vida adulta, mas mantendo as versões mais jovens vivas dentro de você também. Sentiu um cheiro de infância? Memórias vieram à tona? Saboreie cada minuto, tanto quanto for possível. Mergulhe nas risadas, sorrisos, marcos e até mesmo nas nossas muitas noites sem dormir. Antes que tudo passe e vire “pretérito perfeito do indicativo da vida.”
Flávia Valadares – Neurocientista e Psicopedagoga da Escola PraticaMente